Monday, February 10, 2014

O Estado Novo e a política científica

Fala-se muito em Portugal da política de investigação científica do actual governo, que ninguém conhece pela simples razão de aparentemente não existir. Sabe-se apenas que não será igual à que conduziu ao bom desempenho da ciência portuguesa nas duas últimas décadas. Talvez seja útil lembrar aos governantes qual foi a política do governo autoritário de Salazar, pois poder-lhe-á servir, entre outras possíveis alternativas, como fonte de inspiração. Com a política de contenção, de inspiração salazarista, conseguir-se-ia que o país, para além de mais pobre, ficasse também mais inculto, dando alguma coerência à política terceiro-mundista que, nos últimos três anos, tem sido implementada em Portugal.
O Estado Novo — que tinha como base para a educação nacional a trilogia “Deus, Pátria e Família” — trouxe alguma ordem, estabilidade e sustentabilidade ao ensino nacional, e promoveu, à sua maneira e de acordo com as possibilidades financeiras do país, a ciência e a tecnologia. Mais impelido pelo exemplo de outros países — em particular da vizinha Espanha — do que propriamente por uma genuína motivação pela ciência, Salazar criou a Junta de Educação Nacional (JEN) em 1929, que se transformaria em 1936 no Instituto para a Alta Cultura (IAC), uma designação que o físico Manuel Valadares, mais tarde saneado, considerava “infeliz” ...
O objectivo desta política era criar uma elite para poder sustentar um desejado progresso que já há muito existia noutros países europeus. Não havia, porém, qualquer interesse do regime político para que fosse popularizada a cultura científica, baseada na independência e na liberdade.
O Secretariado Nacional de Informação (SNI), herdeiro do Secretariado de Propaganda Nacional (S.P.N.) criado em 1934, propagandeava nas suas publicações o muito “esforço” do governo para patrocinar a ciência e a cultura. Sob o título “Os Institutos e Centros de Investigação” incluído numa dessas publicações afirma-se o seguinte:
O número de organismos científicos que o Estado criou revela bem como a vida precária da investigação científica em Portugal se vem modificando e melhorando. O critério seguido foi mais a criação de pequenas células servidas por estudiosos de escol do que o estabelecimento de organismos majestosos cuja acção muitas vezes não corresponde ao plano feito, e que são difíceis de sustentar em País, como o nosso, de recursos modestos.
Aí se apresenta uma lista de centros e institutos científicos que o Instituto para a Alta Cultura “sustenta e habilita” e conclui-se:
Com subsídios a Centros de Estudo e a publicações gastou o I. A. C. até hoje cerca de três mil e quatrocentos contos, verba sobremaneira importante para um país desprovido até 1928 de Institutos de investigação especializada.
A política de formação de bolseiros no estrangeiro era igualmente enfatizada pela propaganda política do governo salazarista:
O Estado volveu ao bom caminho antigo [na senda das políticas de D. João III e de D. João V...]. Desde a sua fundação até hoje o Estado despendeu já cerca de onze milhões e meio de escudos com o envio de bolseiros a centros culturais estrangeiros, e isto dentro das ciências mais variadas e de todas as formas de Arte.
Foram oferecidas bolsas para que professores portugueses visitassem centros de investigação e instituições de ensino estrangeiros, com o objectivo de se informarem sobre as mais recentes inovações de modo a poderem ser implementadas no país.  Havia a preocupação que as pessoas escolhidas para estas missões fossem fiéis ou pelo menos que não fossem contrários ao regime. O Estado Novo dava mostras de uma grande preocupação com a actualização científica do país, mas mantinha um completo controlo sobre as actividades dos educadores e dos cientistas portugueses.
Para que não surgissem imprevistos, a participação em congressos científicos era igualmente controlada pelo governo através da escolha de cientistas “oficiais”:
O I.A.C. tem sido, desde 1936, o organismo geralmente encarregado de escolher a representação portuguesa nos vários congressos científicos internacionais. Com tal acção, e com comissões especiais de estudo, gastaram-se em seis anos mais de setecentos milhares de escudos.
As purgas de muitos cientistas, realizadas por duas ocasiões (1935 e 1947), e todas as dificuldades que o regime pontualmente criava a quem não tivesse um cadastro político “limpo”, mostram bem que acima do desenvolvimento científico estava a manutenção do regime político onde a liberdade era condicionada e era muito apertado o controlo das actividades dos cidadãos.
Com esta política científica tão bem planeada, o Estado Novo transmitia a imagem de grande fomentador da ciência, gastava muito pouco dinheiro e favorecia amigos e sequazes.
Tudo isto é  muito inspirador... Não é verdade?! ...

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